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terça-feira, 12 de abril de 2011

Acidente nuclear de Fukushima: dilema para o planejamento energético mundial

Por Renato Queiroz *- O acidente na central de Fukushima Daiichi, situada a cerca de 250 km de Tóquio, e a classificação da Autoridade de Segurança Nuclear da França (ASN) de que as explosões ocorridas na planta de geração japonesa atingiram o nível 6 de gravidade, em uma escala internacional de classificação de eventos nucleares que vai até 7 [*], mexeu com os especialistas voltados às questões energéticas no mundo. O fato acrescenta um forte elemento de incerteza para a indústria nuclear mundial.

O nível seis da escala INES significa acidente grave, apontando que houve liberação de material radioativo e traz como consequência a adoção, na área atingida, de medidas que protejam a população. Isso reflete na opinião pública mundial,  provocando grandes apreensões e pressões contrárias à geração de energia elétrica através dessa fonte.

Logo após o acidente, alguns especialistas, sob o impacto das trágicas notícias e imagens em tempo real, concordavam com a tese de que o renascimento da indústria nuclear estaria sendo abortado. Mas talvez a questão que tenha faltado no debate foi: Como atender sem a nuclear ao crescente consumo de energia que as sociedades vão demandar nos próximos anos sob um contexto de redução das emissões de gases de efeito estufa?

Certamente, uma primeira indicação é acompanhar os rumos estabelecidos nos planos energéticos da China, atualmente superpotência energética. Assim, se o ritmo de implantação de novas centrais nucleares vai arrefecer, isso dependerá, em parte, das decisões chinesas. É mister destacar que o planejamento energético chinês tem sinalizado algumas alterações de rumos e verifica-se que ações voltadas ao meio ambiente estão sendo anunciadas. A atual política energética chinesa  inclui a aplicação de um imposto sobre as emissões de CO2 já em 2012.

Nesse contexto, contempla-se também o incremento das energias renováveis, do gás natural com a exploração do gás não convencional e da energia nuclear na geração elétrica. A nova política prevê a redução da participação do carvão na matriz chinesa. No caso da energia nuclear há perspectiva de que se os projetos planejados forem concretizados, a China  poderá ter uma capacidade instalada, à base de fissão nuclear, que ultrapassará a 100 GW, embora, após o acidente no Japão, os chineses tenham declarado que iriam rever o seu programa. Mas qualquer número próximo a esse montante de 100 GW mantém um forte movimento de encomendas na indústria nuclear.

Dentro desse quadro, certamente, haverá investimentos em reatores mais avançados e com mais segurança, acalmando as preocupações, e atendendo à fome de consumo de energia. Não nos esqueçamos de que o acidente de Chernobyl de 1986 impactou, sem dúvida, a geração de energia elétrica, a partir da energia da fissão atômica, mas como resultado trouxe o surgimento de novas tecnologias com mais segurança e redução do tempo de decaimento da atividade do lixo atômico. O atual acidente incorpora uma nova preocuapação: o local em que a central será instalada.

Outra indicação que pode sinalizar uma matriz energética com menos plantas nucleares é a perspectiva de abundância de gás natural no mundo. Maior número de centrais a gás natural está com certeza na cabeça dos planejadores após o acidente na central de Fukushima. Não nos esqueçamos dos novos cenários de exploração de gás não convencional na América do Norte.

É bem verdade que os planejadores consideram que uma maior oferta de gás no mundo propocionaria a substituição do uso do carvão. Fica a indagação se haverá molécula de gás para todos substituírem, além do  carvão, a fonte nuclear, em suas  matrizes de energia. Contudo se for essa a nova política, uma luz vermelha vai acender nas salas dos formuladores de políticas. As emissões de gases vão aumentar e o planeta ficará mais quente. Dilemas à vista.

As fontes renováveis como eólica, solar, biomassa e outras com toda a certeza receberão mais incentivos e suas participações serão maiores após o evento no Japão, o que é bom para o Planeta. Espera-se também que um maior apelo à eficiência energética venha nessa corrente, principalmente nos países em desenvolvimento que preveem um aumento significativo no consumo de energia elétrica.

Mas o planejador técnico não trabalha sob impactos de acidentes. Ele deve ter, sim, um leque de opções para atender ao consumo futuro da sociedade. Um exemplo é que o acidente recente no Golfo do México não é considerado pelos planejadores como um corte na atividade offshore petrolífera. O planejador analisa quais fontes energéticas deverão ser selecionadas, atendendo aos requisitos de menor custo de investimento e de combustível, maior fator de capacidade médio operativo, menor nível de emissões de gases, maior acesso aos recursos energéticos, nível de conhecimento tecnológico, e outros fatores que resultem em maior segurança energética.

E no Brasil? Como se analisa a perspectiva de aumento da geração nuclear após o acidente de Fukushima?

O país possui duas usinas nucleares operando em Angra dos Reis com capacidade de cerca de 2.000 MW. Esse conjunto  representa menos de 2 % do total da  matriz energética. A terceira usina, Angra III, que teve sua construção retomada  irá adicionar mais 1.400 MW ao sistema interligado. O Ministério de Minas e Energia (MME) traçou a política energética brasileira no horizonte até 2030, a partir de estudos técnicos elaborados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) entre 2005 e 2007.

A expansão da oferta de geração, dentro das alternativas à evolução do mix hidrotérmico para atendimento da demanda futura de energia elétrica, considerou entre o período 2005 e 2030 a necessidade de acréscimo de capacidade instalada de cerca de: 88.000 MW de hidroelétricas e 23.000 MW  de usinas térmicas, sendo 12.300 MW a gás natural, 4.600 MW a carvão e 5.400 MW através da energia nuclear, incluindo, nesse montante a usina já em construção de Angra III. E ainda cerca de 20.000 MW através de outras fontes tais como eólica, PCH, biomassa da cana, resíduos urbanos etc.

Vale destacar que tal estudo prospectivo considerou que ações de eficiência energética no país diminuiriam o consumo de energia previsto em cerca de 53 TWh em 2030. O que significa que se esse montante de eficiência energética não ocorrer, mais usinas de geração de energia seja por fontes convencionais ou não convencionais serão necessárias. A política energética trabalha com dados da realidade.

Importante frisar que todos os resultados do plano de longo prazo foram apresentados no MME, em seminários abertos em Brasília, oferecendo aos especialistas oportunidades de debaterem as hipóteses e resultados.

Estudos de planejamento energético dessa natureza partem de cenários macroeconômicos mundial e nacional e utilizam uma série de modelos de projeção de usos-finais, técnico-econômicos de projeção do consumo final de energia e oferta de energia. O planejador diante de um menu de tecnologias de geração de energia disponíveis municia os modelos com os parâmetros técnicos e econômicos e se depara com as soluções de oferta de energia para atender ao consumo projetado. Os formuladores de política energética, na etapa seguinte, incorporam, aos resultados técnicos obtidos, decisões estratégicas que devem levar o país a um estado de segurança energética a médio e longo prazos. A segurança energética é a meta principal daqueles que comandam as decisões energéticas de um país.

No caso específico da energia nuclear os estudos prospectivos sinalizaram o uso de reatores nucleares de 3ª e 4ª gerações que trazem uma maior disponibilidade do combustível e  melhor eficiência da transformação calor-energia elétrica.  Esses  estudos também avaliaram, como estratégia, o fato do Brasil ter consideráveis reservas de urânio e domínio da tecnologia de enriquecimento, o que dá ao país vantagens econômicas e estratégicas sob a ótica geopolítica. Cumpre citar que poucas  organizações no mundo enriquecem comercialmente o urânio.

Considerando as necessidades previstas de novas capacidades instaladas para gerarem energia elétrica na base, conforme o PNE 2030, há incertezas se o país consegue instalar até 2030 o montante total de GW através de hidroelétricas, apontado no plano de longo prazo. Os embates atuais com as usinas em construção de Belo Monte e Jirau causam preocupação, o que remete à busca de opções em um outro possível cenário. E nesse caso a energia nuclear e o carvão entram na baila.

Certamente, quando uma carteira de projetos energéticos é montada, a segurança do abastecimento, os custos envolvidos e os danos ambientais formam um conjunto de riscos e incertezas. Após o acidente no Japão, a energia nuclear trouxe preocupações à população e traz sem dúvidas dificuldades para políticos defenderem a instalação de uma planta nuclear em seu país, estado ou cidade. Em Berlim, Hamburgo e Colônia na Alemanha tem ocorrido amplas manifestações contrárias às plantas nucleares em operação.

Mas deve ficar bem explícito que avaliações de suprimento de energia envolvem análises complexas e multidisciplinares. E uma decisão não tomada ou mal tomada trará consequências maléficas para a sociedade.

Nesse sentido, as opções para a futura matriz energética elaboradas pelos respectivos organismos de um país, devem ser amplamente debatidas em fóruns com a presença de especialistas com visões diversas. A sociedade deve entender os dilemas dos planejadores na condução de uma estratégia de expansão da oferta da energia e as soluções apontadas. Com um bom entendimento do processo, a população pode ficar mais segura nas escolhas que visam trazer para as futuras gerações alternativas energéticas sustentáveis.

Os governos devem explicitar quantas vezes for necessário as suas estratégias na condução de sua política energética de longo prazo, mormente em situações de incertezas como a atual após o evento no Japão.

A complexidade em avaliar as melhores oportunidades na seleção das fontes que irão compor a matriz elétrica futura não permite decisões sem grandes avaliações e reavaliações.

Felizmente, o Brasil tem um leque de opções tecnológicas para a geração de energia elétrica que proporciona ao formulador de política energética uma flexibilidade bem maior do que em outros países.

Certamente o momento traz  novos dilemas para os planejadores energéticos.

* Renato Queiroz é pesquisador associado do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

 

http://www.ambienteenergia.com.br/index.php/2011/04/acidente-nuclear-de-fukushima-dilema-para-o-planejamento-energetico-mundial/10660

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