O Parlamento Europeu incluiu a opção nuclear nas tecnologias sustentáveis livres de emissões de carbono, integrando-a assim abusivamente nas energias seguras e amigas do ambiente. Artigo de Marisa Matias.
A União Europeia procura "um novo paradigma energético" para o século XXI capaz de ser uma alternativa à dependência dos combustíveis fósseis e, simultaneamente, mais amigo do ambiente e susceptível de travar as degenerações climáticas. Prometedor programa que se debate há longas semanas em comissão do Parlamento Europeu e que a Comissão e o Conselho levaram na semana que passou ao plenário a Estrasburgo.
Se boas são as intenções, já o mesmo não pode dizer-se dos métodos e dos objectivos, pelo menos no momento actual. Comissão e Conselho apresentaram um projecto envolvido em secretismo quanto a financiamento e processo político e daí não saíram; a maioria parlamentar confundiu ostensivamente política com tecnocracia e bloqueou o debate a partir daí. A resolução parlamentar não apenas adoptou as posições da Comissão e do Conselho como deu ainda mais alento à opção nuclear incluindo-a nas tecnologias sustentáveis livres de emissões de carbono - integrando-a assim abusivamente nas energias seguras e amigas do ambiente.
O SET-Plan da Comissão Europeia pretende "reinventar o sistema energético" europeu com base sobretudo na investigação e desenvolvimento das tecnologias de "baixo carbono", livres de emissões poluentes que prejudicam a qualidade do ar, provocam aquecimento global e alterações climáticas.
O documento estabelece uma série de áreas de trabalho consideradas "fundamentais" como sejam desenvolver a eficiência energética através de fontes mais baratas e de emissões reduzidas; aposta na investigação e financiamento; captação e armazenamento de carbono; energia nuclear; bioenergias; energias solar, eólica e hidráulica.
Desde logo ficam de fora desta programação algumas áreas que deveriam ser igualmente fundamentais para articular com as restantes, como a da redução do consumo energético, a renovação de formas de distribuição e acesso e também a microgeração energética que se processa a nível local aproveitando condições propícias consoante as regiões.
Em relação à energia nuclear, uma aposta de governos e grandes indústrias que se tornou ainda mais impetuosa a seguir à cimeira de Copenhaga, a questão é abordada em dois aspectos centrais: o desenvolvimento da investigação do processo de fusão nuclear, considerado muito mais económico e, sobretudo, muito mais seguro e favorável em termos de resíduos; e a inserção do nuclear no grupo das tecnologias de baixo carbono.
A fusão nuclear é, há muito, um sonho não concretizado apesar do intenso trabalho de investigação que continua a ser feito, mas sem obtenção de condições físicas e económicas viáveis. Neste momento, a apresentação deste aspecto num projecto concreto e aplicável a curto e médio prazo é apenas um sofisma.
Resta a opção pura e dura pelo nuclear que existe, assente agora nas virtudes ditas de "segurança", "eficácia" e "limpeza" da terceira geração de reactores que, sobretudo a partir dos Estados Unidos e de França, avança por todo o mundo. Energia de baixo carbono, é certo, mas emissora de resíduos cujos riscos de contaminação grave do ambiente continuam a ser alvo de discussões acesas e receios justificados.
Os sectores conservadores e de direita ligados à grande indústria alegam que suscitar este debate é uma questão meramente ideológica que não deve perturbar o desenvolvimento da "reinvenção da energia". Esta posição prevalece no Parlamento Europeu.
Quanto às condições de aplicação e financiamento do "novo paradigma", as instituições europeias mantêm o secretismo dentro de comportamentos que evidenciam em absoluto o respeito pelo "paradigma neoliberal". O novo sistema energético deverá assentar nas parcerias público-privadas, através das quais se mantém a pouca transparência em questões como de onde vem e para onde vai o dinheiro, como se percebeu na passada semana em Estrasburgo. O comissário presente respondeu a estas dúvidas dizendo que o dinheiro para estes projectos "está onde está", sendo esse sítio localizável "nas grandes indústrias e nos Estados membros". Aplicando a realidade vigente a esta linguagem hermética e misteriosa sabe-se que do lado do financiamento estarão, em grande parte, os contribuintes; como estes são, simultaneamente, os consumidores percebe-se que, como sempre, irão pagar duas vezes: na produção e no consumo; do lado dos lucros estará, como sempre, a indústria privada.
O "paradigma energético" pretendido pelas instituições europeias será "novo", como prometem, e nele caberá a ressurreição do nuclear; o "paradigma económico" e o "paradigma político" serão os que já temos e bem conhecemos, até prova em contrário.
http://www.esquerda.net/content/view/15654/1/
A União Europeia procura "um novo paradigma energético" para o século XXI capaz de ser uma alternativa à dependência dos combustíveis fósseis e, simultaneamente, mais amigo do ambiente e susceptível de travar as degenerações climáticas. Prometedor programa que se debate há longas semanas em comissão do Parlamento Europeu e que a Comissão e o Conselho levaram na semana que passou ao plenário a Estrasburgo.
Se boas são as intenções, já o mesmo não pode dizer-se dos métodos e dos objectivos, pelo menos no momento actual. Comissão e Conselho apresentaram um projecto envolvido em secretismo quanto a financiamento e processo político e daí não saíram; a maioria parlamentar confundiu ostensivamente política com tecnocracia e bloqueou o debate a partir daí. A resolução parlamentar não apenas adoptou as posições da Comissão e do Conselho como deu ainda mais alento à opção nuclear incluindo-a nas tecnologias sustentáveis livres de emissões de carbono - integrando-a assim abusivamente nas energias seguras e amigas do ambiente.
O SET-Plan da Comissão Europeia pretende "reinventar o sistema energético" europeu com base sobretudo na investigação e desenvolvimento das tecnologias de "baixo carbono", livres de emissões poluentes que prejudicam a qualidade do ar, provocam aquecimento global e alterações climáticas.
O documento estabelece uma série de áreas de trabalho consideradas "fundamentais" como sejam desenvolver a eficiência energética através de fontes mais baratas e de emissões reduzidas; aposta na investigação e financiamento; captação e armazenamento de carbono; energia nuclear; bioenergias; energias solar, eólica e hidráulica.
Desde logo ficam de fora desta programação algumas áreas que deveriam ser igualmente fundamentais para articular com as restantes, como a da redução do consumo energético, a renovação de formas de distribuição e acesso e também a microgeração energética que se processa a nível local aproveitando condições propícias consoante as regiões.
Em relação à energia nuclear, uma aposta de governos e grandes indústrias que se tornou ainda mais impetuosa a seguir à cimeira de Copenhaga, a questão é abordada em dois aspectos centrais: o desenvolvimento da investigação do processo de fusão nuclear, considerado muito mais económico e, sobretudo, muito mais seguro e favorável em termos de resíduos; e a inserção do nuclear no grupo das tecnologias de baixo carbono.
A fusão nuclear é, há muito, um sonho não concretizado apesar do intenso trabalho de investigação que continua a ser feito, mas sem obtenção de condições físicas e económicas viáveis. Neste momento, a apresentação deste aspecto num projecto concreto e aplicável a curto e médio prazo é apenas um sofisma.
Resta a opção pura e dura pelo nuclear que existe, assente agora nas virtudes ditas de "segurança", "eficácia" e "limpeza" da terceira geração de reactores que, sobretudo a partir dos Estados Unidos e de França, avança por todo o mundo. Energia de baixo carbono, é certo, mas emissora de resíduos cujos riscos de contaminação grave do ambiente continuam a ser alvo de discussões acesas e receios justificados.
Os sectores conservadores e de direita ligados à grande indústria alegam que suscitar este debate é uma questão meramente ideológica que não deve perturbar o desenvolvimento da "reinvenção da energia". Esta posição prevalece no Parlamento Europeu.
Quanto às condições de aplicação e financiamento do "novo paradigma", as instituições europeias mantêm o secretismo dentro de comportamentos que evidenciam em absoluto o respeito pelo "paradigma neoliberal". O novo sistema energético deverá assentar nas parcerias público-privadas, através das quais se mantém a pouca transparência em questões como de onde vem e para onde vai o dinheiro, como se percebeu na passada semana em Estrasburgo. O comissário presente respondeu a estas dúvidas dizendo que o dinheiro para estes projectos "está onde está", sendo esse sítio localizável "nas grandes indústrias e nos Estados membros". Aplicando a realidade vigente a esta linguagem hermética e misteriosa sabe-se que do lado do financiamento estarão, em grande parte, os contribuintes; como estes são, simultaneamente, os consumidores percebe-se que, como sempre, irão pagar duas vezes: na produção e no consumo; do lado dos lucros estará, como sempre, a indústria privada.
O "paradigma energético" pretendido pelas instituições europeias será "novo", como prometem, e nele caberá a ressurreição do nuclear; o "paradigma económico" e o "paradigma político" serão os que já temos e bem conhecemos, até prova em contrário.
http://www.esquerda.net/content/view/15654/1/
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