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sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

"O preço atual do barril de crude é insustentável. Pode duplicar a 1 ano"

O preço atual do barril de crude não cobre os custos de dois terços do petróleo produzido fora do Médio Oriente. Agostinho Miranda, advogado da Miranda e um dos maiores especialistas mundiais nesta indústria, diz que o preço atual é insustentável e a suspensão de grandes projetos em todo o mundo, pré anuncia a subida do preço. Os barris papel serão a grande força de subida do valor, mesmo depois de atingido o pico da procura.

 

O que está a acontecer no mundo a nível da energia: crude com recordes em baixa, situações geopolíticas com o Irão a voltar a vender com impacto em baixa do crude, países emergentes aflitos, há energias alternativas como o nuclear verde, o sol ou o gás de xisto. A energia fez revoluções. E agora, onde estamos?

Estamos em véspera da mudança do paradigma energético. Num quadro muito geral, os anos em que nós teremos de continuar a queimar fontes primárias de energia para obter força mecânica, para obter energia secundária utilizável, estão numerados. Hoje consumimos mil barris de petróleo por segundo, o que dá os tais 97 milhões de barris diários. Toda essa infraestrutura vai continuar a ser útil durante muito tempo, talvez 20, 30 anos, mas o que provavelmente veremos – cada vez mais – será o aumento da eficiência energética, o qual já está a ter efeitos de tal maneira pronunciados que provavelmente já terá ocorrido o pico da procura. Ou seja, não é seguro que cheguemos aos 100 milhões de barris de petróleo/dia e menos ainda os 120 milhões de barris/dia que ainda há três anos eram previstos pela Agência Internacional de Energia. Friso: o pico de procura pode já ter ocorrido e, se isso se verificou, deve-se, em primeiro lugar, aos ganhos de eficiência energética.

 

Esses ganhos são cada vez mais visíveis, sobretudo no armazenamento de energia. Na Califórnia, os maiores operadores no setor tecnológico já armazenam energia de noite, quando o preço é mais barato, para utilizar de dia, aquando do pico do preço. Estamos a falar de baterias com a dimensão de um camião. Fenómenos como o da Gigafactory da Tesla vieram para ficar e faz parte da mudança de paradigma.

Não sabemos se o futuro será solar, se será fusão nuclear, ou qualquer outra inovação disruptiva ou fraturante, mas é seguro que o paradigma petróleo, como o conhecemos, tem limites tecnológicos que não se coadunam com os objetivos que a comunidade internacional – caso da recente Cimeira de Paris – se propõe atingir.

 

Como sempre aconteceu historicamente, estou convencido de que vemos, na atitude da Arábia Saudita, uma atitude provocatória e não é por acaso que o homem forte no poder saudita tem 30 anos (é o vice príncipe herdeiro, filho do atual rei). Há um extremar de posições que sugere uma perda de compasso. O tal compasso que o país seguia, está a perdê-lo, não só no campo das relações internacionais, como seja a entrada no Iémen de chancas e até correndo riscos sérios e que não é conforme com uma política de aproximação muito gradual aos confrontos que normalmente a Arábia Saudita tomava. Há um aventureirismo, nomeadamente no Iémen, para já não falar da Síria e outros teatros menos conhecidos, e vê-se que há uma atitude simétrica na OPEP, embora exista um antecedente histórico, pois a Arábia Saudita fez um contra choque em 85/86, mas as condicionantes geopolíticas eram muitos diferentes. Esta atitude que a Arábia Saudita tem tomado seja no plano político, seja no plano da transferência do conflito muçulmano para a OPEP é indicador de que alguma coisa vai muito mal no setor petrolífero.

 

Qual o papel dos EUA, que está menos dependente do petróleo? O que lhe interessa mais?

Não é verdade que dependa menos do petróleo. Os EUA estão tão dependentes das importações de petróleo como sempre estiveram. Contrariamente ao que se diz os EUA, estão muito longe da independência petrolífera. Exportam gás natural e produzem condensados (gases que, à boca do poço, se transformam em líquidos). Quando se fala de petróleos, incluem-se também os condensados. Os EUA continuam a importar cerca de 40 a 45% do seu consumo diário de petróleo. Os EUA importam, em termos percentuais, mais do que nos anos 70, mas importam menos do Médio Oriente. A grande dependência é da América Latina e do Canadá. Este país não é competitivo ao preço atual. As areias asfálticas e os xistos betuminosos do Canadá não são competitivos ao preço atual e só continuam a produzir porque é mais caro parar do que produzir.

 

Qual a posição dos EUA relativamente ao que se passa no Médio Oriente?

Uma voz descredibilizada mas que sabe do que fala é a do presidente russo Putin e que diz que a baixa do preço do petróleo visava a sua queda. Os EUA continuam a ser o maior produtor de petróleo do mundo, mas a Rússia nunca produziu tanto quanto está a produzir agora e, apesar de tudo, o excesso de oferta não é tão grande quanto as pessoas imaginam. Estão nos cerca de dois milhões de barris/dia quando, em 86/87, chegou a ser de nove milhões de barris/dia. Significa que dois milhões de barris são facilmente absorvíveis se houver uma dificuldade em qualquer produtor pouco relevante. Pelo contrário, se houver um problema num produtor importante como a Arábia Saudita, o preço rapidamente vai aos 200 dólares/barril. Mesmo com dificuldades menores no Iraque ou na Líbia, pode levar à absorção destes dois milhões de barris. Dentro deste cenário, ainda há alguns dias a presidente Dilma Rousseff disse que, enquanto se mantiver este preço, não haverá atribuição de novos blocos no pré–sal brasileiro, um indício quanto ao futuro e quanto à viabilidade de todo o petróleo não convencional.

 

Verificamos que a exploração do petróleo não convencional tem custos mais elevados, como é o caso do petróleo polar que, aliás, acabou. Veio depois a exploração em águas ultra profundas, e onde estão 200 mil milhões de dólares de projetos que foram suspensos; mais 150 mil milhões de dólares de outros projetos, caso do petróleo convencional, o “tight oil”, que inclui o petróleo de xisto. Neste setor, a exposição do sistema bancário norte-americano é muito grande e há uma grande retração a novos financiamentos para a exploração e extração de gás e petróleo de xisto. Ao preço atual, o dinheiro dos bancos não vai ser fácil.

Também estou convencido de que o preço atual é totalmente insustentável porque, se excetuarmos os produtores mais baratos do Médio Oriente, caso da Arábia Saudita, não cobre os custos de dois terços do petróleo produzido fora do Médio Oriente. A suspensão de projetos que se verificou pré anuncia o aumento do preço e, se olharmos para o perfil histórico, o preço irá duplicar no espaço de tempo curto, em menos de 1 ano. Friso que, quando bater, no futuro, a duplicação de preço acontecerá muito rapidamente.

 

Está a bater fundo ou não?

Há um limiar histórico que se verificou em 1986 e em 2009, que é o dos 20 dólares. Haverá uma resistência nos 25 dólares e, quando bater no fundo, assistiremos a uma reação dos mercados financeiros. As posições curtas dos operadores financeiros vão-se multiplicar e os barris papel serão novamente a grande força de subida do preço. Os barris papel são praticamente dez vezes maiores do que os barris físicos, ou seja, são posições financeiras com futuros e hedging que têm como objetivo negociar barris físicos e que nunca chegam a ser entregues. E esses, quando tiverem a noção de que se bateu no fundo, vão avançar com investimentos brutais e puxarão para cima o preço rapidamente.

O pico da procura poderá já ter sido atingido, o que significa que a subida de preço é meramente efeito de agentes financeiros e não pela procura real do mercado?

Estou convencido de que o pico da procura já terá ocorrido e, caso isso não tenha acontecido, acontecerá no momento em que a procura bater nos 100 milhões de barris. Logo, os fundamentais não justificam o otimismo, mas o petróleo não é um mercado perfeito e não é um mercado como os outros mercados de matérias-primas. É um mercado muito dominado pelos objetivos políticos, quer sejam regionais, quer sejam globais.

 

Como se posiciona a China, cuja produção de energia é insuficiente para as suas necessidades?

A China tem uma produção mínima para as suas necessidades, cobrindo apenas 40% do que precisa. Mas este país tem um fator muito importante (para além de continuar a crescer à volta de 7% ao ano): é um dos novos convertidos ao nível da eficiência energética e das energias renováveis porque, obviamente, tem os problemas que se conhecem nas grandes cidades a nível de poluição. Atualmente, a China investe mais em renováveis e eficiência do que o resto do mundo todo junto. São valores absolutamente brutais. Tem, por outro lado, um programa de investimento muito grande no nuclear de 2.ª e 3.ª geração. A China também tem tido algum sucesso no petróleo e no gás de xisto. Neste setor, o país continuará com grande influência geopolítica, nomeadamente junto da própria Arábia Saudita, EUA e Europa. Continuará a ser um protagonista que condicionará tudo o que se passar no setor energético.

Seria ingenuidade pensar que os grandes players mundiais têm uma política energética que não esteja ligada à política pura e geoestratégia. Isso não existe neste meio. Por isso é que a energia significa no mundo, entre a forma direta e indireta, cerca de 60% da economia. Os países que terão poder de subjugação e condicionamento a nível global serão sempre os países mestres no setor energético, ou seja, os países que comandam e que dominam o avanço tecnológico no domínio da energia. Não tenho nenhuma dúvida de que os avanços – e, por isso, acredito muito no solar – serão não de engenharia mas de tecnologia. E talvez por isso é que os EUA, via Governo Federal, acabam de meter 600 milhões de dólares na tecnologia do automóvel elétrico Tesla. De facto, a tecnologia e o domínio do avanço tecnológico no setor energético é crítico para um país se manter num setor de hegemonia.

 

O atual preço do crude está a criar dificuldades a países que os fará recuar dezenas de anos, caso de Angola, Brasil ou Venezuela. Estes países aguentarão muito tempo com a pressão sobre as contas públicas?

É inevitável que isto venha a ter efeitos nos planos social, político e mesmo financeiro. Dos países que estão mais pressionados, poucos sustentam e são capazes de resistir a esta baixa durante três ou quatro anos. Diz-se que a Arábia Saudita aguentará cinco anos, mas tenho muitas dúvidas. Acredito que Angola tenha maior capacidade do que outros países como a Nigéria e a Venezuela, e isto porque Angola tem um grande défice na balança comercial, mas não tem um défice orçamental muito preocupante, é mais uma questão de reafetação de recursos e de identificação de alternativas, caso do setor mineiro (com um desenvolvimento muito atrasado em Angola), já para não falar da agricultura ou dos setores industriais. Estes setores não têm sido desenvolvidos por resistências burocráticas e algumas legais.

 

Tal como aconteceu no último contra choque de 85/86, que muitos autores dizem que levou à queda da URSS, também este contra choque vai deixar um rasto de destruição política e de erosão da importância relativa de alguns países. Penso que um deles é o Brasil, outro pode ser a Venezuela. No entanto, este país tem as maiores reservas mundiais de petróleo pesado, o que significa que, se falarmos apenas de petróleo e não olhando para o preço, a Venezuela continua a ter um potencial absolutamente gigantesco, mas esse petróleo só é viável acima de 60 dólares por barril. Os efeitos deste contra choque podem atingir o plano político sobretudo se afetar, como começa a ser possível, a Arábia Saudita, Neste cenário, esses efeitos podem vir a ser ainda mais significativos do que foram os do contra choque de 85/86.

Offshore em Portugal só com preço de 80/90 dólares

 

Em Portugal, é viável a continuação da exploração de crude e gás com estes valores, mesmo que eles dupliquem?

É poesia. Não há condições. A exploração do offshore com um preço abaixo do 80/90 dólares não acontecerá. Poderão fazer um levantamento sísmico, mas não vai acontecer. O onshore é diferente e está muito dependente da atitude que a Comissão e a União Europeia tomem relativamente ao petróleo e gás de xisto. Temos três formações interessantes xistosas e argilosas e nada mais. Quanto ao gás do Algarve, o primeiro furo custará acerca de 100 milhões de dólares e tenho a convicção de que não será feito. Estava previsto para 2016 mas, nos últimos três anos, o mercado de gás natural modificou-se de uma maneira avassaladora. Há um excesso de oferta de gás e o preço está pelas ruas de amargura. Aliás, se o preço do petróleo está mau, o do gás está bastante pior. O preço do gás natural é um terço do que era praticado há seis anos. Não acredito em perfurações no Algarve.

 

Por Vítor Norinha/OJE

Foto: Marco Maurício

http://www.oje.pt/o-preco-atual-do-barril-de-crude-e-insustentavel-pode-duplicar-a-1-ano/

 

ATENCIOSAMENTE

 

Alexandre Kellermann

 

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