Por Paulo Steele* – A livre escolha do cidadão não é a melhor opção para a sociedade quando se trata de tarifa de eletricidade. Essa constatação diz respeito ao menos à Tarifa Branca, modalidade de cobrança que sinaliza aos consumidores de baixa tensão a variação do custo da energia conforme o dia e o horário de consumo.
É que o caráter opcional desse sistema, que entra em vigor a partir de janeiro, deve causar desequilíbrio econômico-financeiro nas concessões de distribuição de energia elétrica, com prejuízos para todo o conjunto de consumidores.
Até hoje, os consumidores em baixa tensão pagaram apenas um tipo de tarifa, a Convencional, que tem um valor único (em R$/kWh) cobrado pela energia consumida e que não varia conforme o dia e o horário. A Tarifa Branca, por sua vez, cria condições que incentivam parte dos consumidores a deslocar o consumo dos períodos de ponta para aqueles em que a rede de distribuição tem capacidade ociosa.
A ideia é induzir a chamada modulação de carga para a otimização do sistema elétrico, com a atribuição, aos usuários, de responsabilidades pelo uso da rede, por meio da redução ou elevação das faturas dependendo da hora em que se concentra o consumo de energia.
Essa sinalização é recomendável, pois favorece a eficiência energética, a redução das perdas técnicas e dos custos com a expansão das redes. No caso brasileiro, inicialmente a Tarifa Branca será disponibilizada aos consumidores que utilizam mais de 500 kWh por mês, passando a 250 kWh em 2019, e a qualquer montante no ano seguinte.
Sistemas de tarifação diferenciados podem ser implantados de maneira compulsória ou opcional. Nos programas compulsórios, via de regra os produtos tarifários são estabelecidos em condições de alocar, da melhor forma possível, os custos à prestação dos serviços de fornecimento.
Na prática, os consumidores são duplamente beneficiados, pois reduzem suas faturas ao racionalizarem a utilização do sistema frente aos sinais econômicos apresentados e, num segundo momento, são agraciados com tarifas efetivamente mais baixas pela consequente postergação de investimentos em expansão das redes.
Apesar disso, raramente sistemas do tipo foram instalados de maneira mandatória, conforme mostra relatório da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês) que avaliou as tarifas de 65 concessionárias de grande porte de diferentes países.
Os pesquisadores associam tais resultados ao fato de que os custos de instalação de um programa do tipo podem ser elevados, devido à necessidade de substituição dos medidores e às exigências em termos de controle das informações. Eles alertam, no entanto, que um programa opcional pode causar perdas significativas de receita para as concessionárias, sem ganhos que as compensem.
Isso ocorre porque, quando tais programas são opcionais, estão atrelados a riscos e geram incertezas quanto à arrecadação de receita pelas distribuidoras, uma vez que apenas as unidades consumidoras que vislumbrarem reduções nas suas faturas em função de seus hábitos de utilização ou possíveis modificações nos mesmos irão optar pelo programa. Tal arranjo resulta em redução na receita das empresas praticamente sem contrapartida de ganhos e compensações, dado o baixo impacto em termos de mudanças no uso da rede.
O resultado é semelhante à divisão de uma conta de consumo por um grupo num bar em que aqueles que beberam pouco optam por pagar apenas o montante efetivamente consumido, enquanto os demais pagam uma fração do consumo (o valor total dividido pelo número de pessoas presentes).
Não tem jeito: parte da conta fica descoberta, implicando que alguém acabe tendo de gastar mais. No setor elétrico, seria necessária a adoção de mecanismos de compensação de receita, para cobrir custos e garantir a remuneração dos investimentos da concessionária.
No caso brasileiro, pudemos comprovar esses riscos com simulações feitas com dados de cinco distribuidoras (Light, AES Eletropaulo, Coelba, Cemig e Celesc). No processo, avaliou-se em que proporção os perfis de consumo elegíveis teriam suas faturas alteradas comparativamente à opção tarifária Convencional, sem nenhuma variação no perfil de consumo das unidades consumidoras – cenário denominado “0% de Modulação” de carga.
Em todos os casos, os resultados indicam que a Tarifa Branca no formato opcional, se aplicada aos subgrupos tarifários residencial, rural, comercial e industrial, causará um déficit de faturamento para as distribuidoras de entre 1,3%, no caso da Celesc, e 3,01%, no caso da Cemig, da expectativa de receita com o mercado elegível frente às tarifas convencionais. As simulações também indicam que esse déficit tende a aumentar proporcionalmente aos deslocamentos de carga que venham a ocorrer em resposta ao novo sinal tarifário.
Além do desequilíbrio propriamente dito, é importante atentar para que as alternativas adotadas para corrigir as distorções não incorram na criação de subsídios cruzados: eventuais compensações devem ser feitas de maneira que sejam preservadas as responsabilidades dos consumidores dos diferentes níveis de tensão quanto ao uso das redes.
Por fim, seria necessária a avaliação do “risco de adesão” ao novo sistema de tarifas para que seja possível efetivamente antever seu impacto sobre a receita das concessionárias, de forma a evitar o comprometimento de seu equilíbrio econômico financeiro – uma ameaça séria que se torna ainda preocupante num momento como o atual, desafiador seja para o sistema elétrico como para a economia brasileira em geral.
Fonte: Valor Econômico
https://www.ambienteenergia.com.br/index.php/2017/10/quem-paga-conta-da-tarifa-branca/33015
Atenciosamente
Alexandre Kellermann

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