O crescimento acelerado da micro e minigeração distribuída (MMGD) de energia elétrica no Brasil vem gerando preocupações relacionadas a potenciais riscos para o Sistema Interligado Nacional (SIN), além de desequilíbrios de mercado.
A microgeração distribuída consiste em uma central com potência instalada de até 75kW. Já a minigeração tem potência superior a 75 kW e menor ou igual a 3 MW, podendo ser até 5 MW em determinadas situações.
Hoje, os sistemas de MMGD totalizam cerca de 23 GW de capacidade instalada e a perspectiva é que atinjam 26 GW até o final de 2023, com mais de 90% baseados em energia solar fotovoltaica.
Atualmente, a capacidade energética nacional centralizada é de 195 GW, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
O Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) do país permite que o excedente de energia gerado por um sistema de MMGD fotovoltaico durante o dia seja injetado na rede e, à noite, a rede devolve a energia à unidade consumidora e supre necessidades adicionais.
Como a maioria dos sistemas de geração distribuída (GD) é baseada em fontes intermitentes, isso implica desafios para a operação da rede do país.
Adriano Pires, sócio-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), alertou recentemente em uma rede social que o crescimento da GD está ocorrendo “sem nenhum planejamento”.
Ele destacou que os consumidores optam pela modalidade em busca de tarifas mais baratas, mas só quem tem renda elevada consegue instalar painéis solares.
“Como o setor elétrico funciona como um condomínio, com a redução dá conta de energia dos ricos aumenta a dos que não conseguem instalar os painéis. Ou seja, a expansão da GD sem planejamento é um dos maiores programas já vistos no Brasil de transferência de renda dos pobres para os ricos”, afirmou Pires.
A atração dos consumidores para a GD e o mercado livre tem deixado as concessionárias de distribuição de energia elétrica – que compram energia no mercado regulado por meio de leilões realizados pela Aneel – com um excedente de energia contratada.
“O MME [Ministério de Minas e Energia], a Aneel e o ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico] precisam promover políticas para que apagões não sejam recorrentes e que as distribuidoras de energia elétrica não quebrem pela redução de receita, aumento da inadimplência e roubo de energia”, completou Pires.
A BNamericas procurou o MME, a Aneel e o ONS, mas apenas o ministério respondeu, dizendo que “está trabalhando em medidas para uma reforma do setor elétrico brasileiro, conforme manifestado pelo ministro Alexandre Silveira”.
Alexei Vivan, sócio do escritório Schmidt Valois Advogados e diretor-presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE), saúda a expansão da GD, mas reconhece que ela trará desafios ao sistema elétrico.
Ele cita, como exemplos, as constantes inversões no fluxo de energia, o controle de tensão, a falta de controle e planejamento de sua expansão e sua intermitência, além dos reflexos para as distribuidoras de energia, como a sobrecontratação e a remuneração pelo uso da rede elétrica.
Para Vivan, o Brasil tem condições de acomodar todas as fontes de geração, mas precisa estar atento à segurança do fornecimento de energia, especialmente nos horários de pico do consumo.
“Para tanto, em paralelo à DG, é importante não esquecermos das fontes de geração firme, perene, que conferem lastro ou capacidade ao sistema elétrico”, disse ele à BNamericas.
Euclides Chuma, membro sênior do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e pesquisador da Universidade de Linköping, na Suécia, pondera que há uma série de exigências que os projetos de GD devem cumprir para se conectarem à rede de distribuição, incluindo a apresentação de um atestado de responsabilidade técnica do projeto.
“Portanto, do ponto de vista técnico, não existem riscos associados à conexão de micro e minigeradores distribuídos à rede de distribuição”, afirmou à BNamericas.
“Contudo, é sempre recomendável que a Aneel acompanhe a qualidade do sistema de distribuição elétrico e, conforme aumentarem os sistemas de micro e minigeradores, que a agência verifique se há impactos sobre o sistema”.
Carlos Evangelista, presidente do conselho da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), ressaltou que a ideia de que apenas os mais ricos se beneficiam da GD é uma “visão um tanto limitada”, dado que os custos dos sistemas fotovoltaicos têm caído significativamente, tornando a tecnologia mais acessível.
“Além disso, existem programas e financiamentos focados em democratizar o acesso à geração solar”, disse ele à BNamericas, acrescentando que a GD também pode ser vista como uma oportunidade de geração de empregos e desenvolvimento econômico local.
Apesar de reconhecer que a intermitência das fontes renováveis pode apresentar desafios operacionais, Evangelista apontou que as tecnologias de armazenamento de energia, como baterias, e as soluções de gestão de demanda estão avançando rapidamente.
“Essas inovações permitem uma integração mais harmoniosa das fontes renováveis à rede, como já está sendo feito em países com uma visão mais avançada do setor eléctrico”, observou.

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