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domingo, 3 de maio de 2009

"Não precisamos de energia atômica"

O físico José Goldemberg é um homem pragmático. Após 30 anos de oposição ao uso de energia nuclear no Brasil, ele apoia a decisão do governo de concluir a usina Angra II. "Já foi gasto US$ 1 bilhão nessa obra. É melhor terminar." Mas, para ele, que já foi secretário do Meio Ambiente e ministro da Educação, além de reitor da USP, o assunto energia nuclear tem de acabar com a conclusão da obra. Isso, porém, é pouco provável. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, quer 50 novas usinas nucleares até 2050. Para Goldemberg, isso é um "absurdo". "Há outras alternativas", diz, alegando que o País usa apenas 30% de seu potencial hidrelétrico. Para ele, a energia nuclear não deve ser usada nem como apoio ao sistema elétrico. Para esse fim, aposta em fontes renováveis, como a queima do bagaço de cana. Confira abaixo a entrevista concedida à DINHEIRO.

DINHEIRO - O Brasil precisa, hoje, da energia nuclear?
JOSÉ GOLDEMBERG - O Brasil não tem nenhuma necessidade da energia nuclear. Não acredito que ela seja uma boa solução para o País. Temos, à nossa disposição, opções muito melhores. A hidrelétrica, por exemplo, que, apesar do que se pensa, ainda não é explorada muito bem no Brasil. Há ainda um enorme potencial nesse campo. Temos também a alternativa da energia eólica, e, principalmente, a opção do uso da energia extraída do bagaço de cana-de-açúcar. Essa é, para mim, uma fonte de energia com enorme potencial.

DINHEIRO - Então por que o País apostou nessa matriz?
GOLDEMBERG - A energia nuclear sempre foi um corpo estranho no Brasil. Ela surgiu quando, em 1975, o general Ernesto Geisel quis usar esse tipo de energia. Não fazia sentido algum. Itaipu já estava em construção. Era, portanto, um absurdo ir atrás da energia nuclear. Itaipu foi concluída há 15 anos e está funcionando perfeitamente até hoje. Já as usinas de Angra demoraram, e Angra III ainda está no meio do caminho. Em outros países, como a França e a Alemanha, a energia nuclear era uma boa alternativa naquela época. Afinal, eles não tinham nenhuma opção a que recorrer. O mesmo não ocorre no Brasil. Temos diversas alternativas e o uso de energia nuclear não coaduna com nossa realidade e nossas oportunidades.

DINHEIRO - Qual sua opinião sobre a decisão do governo federal de concluir a usina Angra II?
GOLDEMBERG - Angra III é um projeto engastalhado, parado há mais de 20 anos. Mas é uma situação complicada. Como a do copo com água pela metade. Dependendo de quem olha, ele está meio cheio, ou meio vazio. O projeto dessa usina está no meio do caminho. Nessa situação, ou o governo decide perder o que já investiu, perto de US$ 1 bilhão, ou acaba o projeto. Nosso governo decidiu acabar a obra. Eu nem seria contrário a terminar a usina, mas isso teria de ser um fato isolado. O problema é que o governo tenta amarrar a finalização da usina a um plano muito maior, que inclui a construção das quatro plantas nucleares anunciadas recentemente.

DINHEIRO - Então o sr. é a favor da conclusão de Angra II?
GOLDEMBERG - Se ao fim das obras Angra III for um evento restrito a si mesmo, não sou contra sua conclusão, mas sim a favor. Em última instância, para que o País não perca um investimento de quase US$ 1 bilhão em infraestrutura. O problema é que o término da obra não deve encerrar o debate. Ao contrário, esse evento poderá ser usado para dar impulso à campanha do governo, que quer usar a energia nuclear em grande escala. O Brasil não precisa disso, temos várias alternativas. Por isso, sou contra a conclusão da usina se ela servir como o primeiro passo para o projeto do ministro (de Minas e Energia, Edison Lobão) e do governo de ampliar o uso de energia nuclear no País.

DINHEIRO - Voltar a apostar em energia nuclear seria ruim para o País?
GOLDEMBERG - Isso pode muito bem ser o primeiro passo para se desvirtuar a matriz energética brasileira. É um enorme absurdo, ainda mais quando o ministro Lobão fala em construir 50 usinas nucleares no País até 2050. Não precisamos disso. No Brasil, a rede é toda interligada. Dizer que construir duas usinas nucleares no Nordeste seria uma forma de garantir a independência energética da região é uma bobagem. O que precisamos é usar melhor nossas reservas hidrelétricas. Apenas um terço do potencial dessa matriz é utilizado atualmente no País.

DINHEIRO - O que impede o avanço de novos projetos de hidrelétricas?
GOLDEMBERG - O governo sempre reclama, quando fala das propostas para construir novas hidrelétricas, dos obstáculos impostos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). O Ibama não é o obstáculo. Afinal, ele é parte do próprio governo federal. Eles que resolvam os problemas com o Ibama e abram caminho para facilitar a implantação de novas usinas hidrelétricas.

DINHEIRO - Qual seria o aspecto positivo de concluir Angra II?
GOLDEMBERG - De certa forma, encerrar Angra III poderia ser uma oportunidade para colocar um ponto final ao debate sobre energia nuclear de uma vez por todas. Com ela terminada, não seria mais necessário falar nessa matriz. Isso, é claro, desde que a sua conclusão não fosse utilizada como um marco para incentivar o início de outros projetos semelhantes.

DINHEIRO - Uma vez retomadas as obras de Angra II, quem o sr. acredita que deveria tocar o projeto?
GOLDEMBERG - A concorrência, vencida pela Andrade Gutierrez, foi realizada há mais de 20 anos. Houve uma grande evolução nas técnicas de construção de usinas, e isso é algo que tem de ser levado em consideração pelo governo. Assim, para eventualmente completar Angra III, deveriam ser usadas técnicas, processos e materiais mais adequados, seguros e modernos. Não com base no que existia na década de 1970.

DINHEIRO - Essa diferença é...
GOLDEMBERG - Enorme! É só pensar no que aconteceu na construção civil. Há alguns anos, usava-se muita madeira em obras de prédios e casas nas cidades. Hoje, a madeira foi substituída por tubos de aço em quase tudo. Houve uma evolução nas técnicas e materiais da construção civil, e o mesmo se aplica em relação às usinas nucleares. Tudo isso mudou muito nos últimos anos, e isso tem que ser contemplado pelo governo.

DINHEIRO - E as questões envolvendo o lixo nuclear? Hoje o Brasil está preparado para enfrentar esse problema?
GOLDEMBERG - Existem 70 mil toneladas de lixo muito radioativo nos EUA apenas. Hoje eles ficam no mesmo lugar onde foram produzidos, pois não há lugar adequado para receber esse material. E esse lixo tem dois problemas. O primeiro é a possibilidade de vazamento de material radioativo, que tem um impacto devastador sobre o meio ambiente da região afetada. Em segundo lugar, existe o risco de segurança, pois a partir desses resíduos é possível obter plutônio, fundamental para a fabricação de armas nucleares. É exatamente o que aconteceu na Coreia do Norte. E ninguém sabe como se livrar desse lixo. Não é uma questão apenas do Brasil, mas de todo o mundo. Não há ninguém que tenha encontrado uma solução definitiva e segura para o descarte desse material. O próprio Ibama pediu um plano para o descarte do lixo, mas o problema é que não temos solução para isso, ninguém tem. Mesmo os EUA não têm mais dado licença para usinas porque não sabem o que fazer com o lixo adicional.

DINHEIRO - O mundo pode interpretar a conclusão de Angra II como o início de um programa de armas nucleares? O País sofreria alguma consequência?
GOLDEMBERG - Isso é exatamente o que está acontecendo com o Irã, que está tentando construir sua infraestrutura nuclear, mas se suspeita que seja apenas para a produção de plutônio para uso em armas. O problema é que ninguém acredita no Irã e em seu presidente, não há confiança de que ele realmente vai parar no estágio de produção de energia. Essa é uma questão muito mais política do que técnica, e certamente a confiança que a comunidade internacional tem no Brasil supera aquela relacionada ao Irã. Nesse caso, é a política que rege as reações internacionais em relação ao programa nacional.

DINHEIRO - A energia nuclear não seria uma alternativa interessante para servir como sistema de apoio, em lugar das termelétricas convencionais?
GOLDEMBERG - A segurança energética que uma usina nuclear pode oferecer é muito pequena em relação às necessidades brasileiras. A estimativa mais comum é a de que o Brasil precisa adicionar, por ano, 3000 MW em geração. Isso significa colocar para funcionar, por ano, três usinas nucleares iguais a Angra para suprir essa necessidade. É algo inviável, especialmente considerando as outras alternativas no Brasil. Além disso, a energia nuclear não vai se tornar nossa principal fonte energética. A solução para diversificar a matriz é o uso de energias renováveis. Afinal, termelétricas a carvão, óleo e gás são respostas ruins a essa necessidade. O problema é que, no passado, o Brasil perdeu o bonde ao não explorar de forma mais eficaz seu potencial hidrelétrico. Usamos, hoje, apenas 30% do que poderíamos usar em hidrelétricas. Ou seja, ainda há 70% do potencial a ser explorado. As usinas a carvão e óleo são muito ruins, mas as nucleares não são muito melhores. Seria trocar danos imediatos ao meio ambiente pelo risco de um desastre ambiental nuclear de proporções enormes.

DINHEIRO - O uso da matriz nuclear não ajudaria a criar uma nova indústria exportadora de alta tecnologia no País?
GOLDEMBERG - Há 30 anos se fala disso, mas era um sonho de verão dos militares. É só pensar na França, que tinha seu projeto de se tornar uma fabricante de computadores de alta capacidade, e nunca chegou lá. E de lá para cá, o Brasil desenvolveu uma indústria muito boa em outros segmentos e não há necessidade de correr atrás de uma tecnologia como a nuclear para nos tornarmos exportadores. Há muitas outras áreas em que podemos ser líderes. Temos ampla capacidade de vender nosso know -how em uso de álcool como fonte de energia, e é algo que já está pronto.

http://www.terra.com.br/istoedinheiro/edicoes/604/artigo132826-2.htm

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